quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Abstinência

Escorrem, aqui, mais linhas amargas...
Cafés fortes e farras
Fôlego, por cigarros, afoito
Garras precisamente serradas
Serras de minha região amada
O grito lento de um porco

Abstinência de makonha
Abstinência da sua tara
Abstinência de sentir nada
Abstinência do seu olho

Teto preto, na cara, lona
Energia elétrica, de novo, cortada
Nunca fui bom em ser estável
Sempre tive fama de doido
De repetir as mesmas palavras
Melancólico e alcoólatra
Desculpando-se pelas rimas gastas.

Abstinência de ser fogo
Abstinência de criatividade
Abstinência de histórias
Abstinência do seu jogo

Eu, que realmente sou da roça,
Mesmo estando sempre alarde
Na fossa ou forca, quase morto,
Me esqueci de ser instantes
Me perdi pela cidade
Me perdi em suas coxas
Me-perdemos, incapazes,
Me perdi por ser farsante
Teatral de falhas artes
Eu não li, não tive forças
Preferi as nossas palavras
(Olhares, atritos, que batem)
Preferi as nossas bocas
Erros acumulam em batalhas
Ossos cansam nas andanças
Então, estruturaria a alma
Lavaria mais as louças
Lavaria a garrafa
Lavaria a minha bolsa
Sabia bioquímica, microbiologia,
de seleção natural e estatística
Pelo visto só em lousa
Misturava café que não era do dia
Misturava alimentos por simples preguiça
Sem ver que intoxicava o espírito
Cachaça, cadernos e orgias
Livros, paixões e academia
Perdi tempo apenas aprendendo
(ciente do conflito Praxis et Doctrina)
ao não antes dizer "me rendo!"
Do que adianta haicai e poesia
Desenhos e melancolia?
Só perdi dinheiro e tempo
A minha paz e a paciência
Atrás do acerto, por culpa minha
Então logo sento e penso:
Te perdi por impotência,
Não me senti um faraó
Me rebaixando, inseguro,
Me sabotando em latência
Sofrendo de abstinência

Abstinência de calma
Abstinência de ser puro
Abstinência de "que seja!"
Abstinência de presença

Em uma cruel busca (risos)
pela mente amena
Contradição que envenena
De tantas incertezas
Há uma mais plena
Hoje pensei mais:
em cigarros, morte,
vodka ou Helenas?

2 comentários: